Muito estranha a reclamação dos companheiros da Terra, no capítulo da verdade.
Invariavelmente, rogam que lhe digamos a realidade pura. Exigem-na como crianças teimosas, apaixonadas por um capricho qualquer. Entretanto, como se fosse bagatela o que pedem, solicitam manifestações quase burlescas, reduzindo-nos à categoria de simples profissionais da prestidigitação.
Determinado cavalheiro esconde o lenço na última gaveta da cômoda de pinho e aguarda-nos o pronunciamento. Devemos declarar a natureza do objeto, a qualidade do material com que foi fabricado, o móvel a que foi conduzido, com todas as especificações. Se conseguimos a façanha, acreditará na sobrevivência. Certa senhora, por exemplo, reclama demonstrarão diferente. Perdeu uma joia de preço e estimação, portas a dentro do próprio lar. Lançou ligeiras olhadelas nos ângulos residenciais e assegura que procurou minuciosamente em todos os escaninhos da casa. Depois de suspeitar com leviandade, solicita aos irmãos invisíveis seja dito o nome da pessoa que lhe subtraiu a relíquia e, quando o amigo espiritual se demora nos esclarecimentos, em obediência ao código de boas maneiras, justificando a sua abstenção em face do escabroso assunto, a consulente interroga, intentando auxiliar:
—Não foi o Antônio, filho da vizinha da frente?
Às vezes, a entidade espiritual retarda-se nas explicações delicadas, mas a criatura insiste, inquirindo, de novo:
—Não teria sido a visita que esteve conosco na tarde de quinta-feira?
Imagine-se, porém, a surpresa do Espírito Benevolente e Sábio, ante as inesperadas interrogações. Venceria tão grandes obstáculos vibratórios, desceria de zona tão elevada, a fim de brincar de cabra-cega ou descobrir objetos perdidos, de damas preguiçosas ou malevolentes?
Acreditam outros que, pelo fato de havermos abandonado o envoltório físico, sabemos tudo o que se relaciona com a vida e com a morte. Planejam experiências engraçadas, nas quais o mensageiro invisível deve ler o trecho tal a folhas tantas, num livro oculto entre centenas de volumes outros, alusivos a variados assuntos. Se o companheiro desencarnado consegue satisfazê-los, admitem a visita da verdade que, para eles, se reduz a punhado de demonstrações pequeninas.
Logicamente, tudo isso é possível. Encontrar objetos ao abandono e realizar experiências telepáticas constituem ocupações agradáveis a muitas entidades que cercam a inteligência humana, como causam enorme prazer aos jovens de recados certas intimidades domésticas que o visitante educado consideraria grosseiras e ridículas indiscrições.
Objetar-se-á, talvez, que existem nos dois planos pessoas que se consagram a esse gênero de investigações, com objetivo científico. A moderna psicometria, por exemplo, exige certas demonstrações, que auxiliam os menos convictos; mas, nesse setor, quase sempre, a realização é levada a efeito pelo próprio sensitivo, que se ausenta provisoriamente do corpo denso, revelando capacidades transcendentais da alma encarnada.
Os Espíritos Benfeitores não podem utilizar semelhantes expressões fenomênicas, a pretexto de executarem o serviço edificante e eterno da verdade.
—A título de ser verdadeiro, não posso interferir na descoberta do anel de madama – explicava-me um companheiro que fora convidado a trabalho dessa natureza –, porque, se eu conseguir encontrá-lo, amanhã incumbir-me-á de localizar-lhe a bolsa esquecida na sala da costureira, na semana próxima encarregar-me-á de procurar-lhe a empregada que fugiu com o padeiro e, no mês vindouro, irá com a mente inquieta, onde eu estiver em ocupações inadiáveis e sagradas, para que eu lhe busque o esposo, perdido na embriaguez, em noites de prazeres mais longos. E se eu não descobrir a bolsa, não encontrar a criada e não restituir o marido ao lar, como fiz no caso do anel, cobrir-me-á talvez de acusações descabidas, não hesitará em ofender a honorabilidade do médium que nos serviu caridosamente a ambos e é provável que se converta, por isso, em detratora gratuita da própria doutrina que nos é tão venerável, como fonte de consolação e esperança do mundo.
Não podemos baratear as nossas manifestações, sob pena de desrespeitar as funções de nosso próprio ministério.
Outro amigo nosso, bondoso facultativo desencarnado, asseverava-me, há tempos:
—A maioria dos enfermos terrestres roga-nos diagnósticos infalíveis e esclarecimentos exatos, reclamando sejam informados com realidade absoluta, alegando que nós, os Espíritos exonerados da carne, devemos ser rigorosamente verdadeiros. Como demonstrar, porém, a eles, autores de seus próprios desastres, que destruíram o fígado com as irritações inconsequentes, que envenenaram o estômago nos excessos da mesa, que arruinaram o sangue em aventuras condenáveis, que adquiriram infecções perigosas, através da precipitação ou do relaxamento? Se lhes mostrarmos o quadro de responsabilidades em que se encontram envolvidos, nos processos patológicos, talvez não consigam permanecer no corpo, senão algumas horas, depois de nossas declarações. Todavia, lembrando nosso trânsito na carne, somos obrigados, não a mentir, mas a silenciar para o bem deles, aguardando o tempo. Utilizando a serenidade, conseguimos salvar alguns patrimônios e preservar algumas forças que ainda prestam aos nossos amigos do mundo valiosos serviços.
Segundo observamos, pois, a verdade, mesmo para os que já se transferiram para a região invisível da Terra, é sagrada revelação de Deus, no plano de nossos interesses eternos, que ninguém deve menosprezar no campo da vida.
—Que é a verdade? – pergunta Pilatos, presunçosamente, a Jesus.
O Mestre, porém, respondeu-lhe com o sublime silêncio. Que expressão da verdade poderia ser dada aos homens, naquela hora angustiada de Jerusalém, na qual a mentira dominava os judeus e romanos empenhados no processo da cruz? Como encher de mel o vaso transbordante de vinagre?
O conhecimento supremo, como divina revelação, não é um bem transmissível. Todos os filhos de Deus, na Terra ou fora da Terra, estão procurando adquiri-la. Ninguém, portanto, reclame dos amigos desencarnados demonstrações que lhes solucione esse problema de integração com a luz divina. A verdade não constitui edificação que se levante por informações alheias, no caminho da vida. É realização eterna que cabe a cada criatura consolidar aos poucos, dentro de si mesma, utilizando a própria consciência.
Espírito Irmão X, do livro Lázaro Redivivo, psicografado por Chico Xavier, em 1945.
Very strange the complaint of the companions of the Earth, in the chapter of the truth.
Invariably, they beg us to tell them the pure reality. They demand it like stubborn children, in love with any whim. However, as if it were a trifle what they ask for, they request almost burlesque manifestations, reducing us to the category of simple sleight of hand professionals.
A determined gentleman hides his handkerchief in the last drawer of the pine chest of drawers and awaits our pronouncement. We must declare the nature of the object, the quality of the material with which it was manufactured, the furniture to which it was driven, with all specifications. If we achieve the feat, he will believe in survival. A certain lady, for example, complains differently. She lost a priceless and cherished jewel, doors to her own home. He has glanced briefly at residential corners and asserts that he has thoroughly searched every nook and cranny in the house. After lightly suspecting, he asks the invisible brothers to tell him the name of the person who took the relic from him and, when the spiritual friend delays in clarifying, in obedience to the code of good manners, justifying his abstention in the face of the scabrous matter, the querent asks, trying to help:
—Was it not Antônio, the son of the neighbor across the street?
Sometimes, the spiritual entity delays in delicate explanations, but the creature insists, inquiring again:
“Wasn’t that the visitor who was with us on Thursday afternoon?”
Imagine, however, the surprise of the Benevolent and Wise Spirit, faced with the unexpected questions. Would he overcome such great vibratory obstacles, descend from such an elevated area, in order to play blind man’s buff or discover lost objects, from lazy or malevolent ladies?
Others believe that, because we have abandoned the physical envelope, we know everything related to life and death. They plan funny experiments, in which the invisible messenger must read the passage on so many pages, in a hidden book among hundreds of other volumes, alluding to various subjects. If the disembodied companion manages to satisfy them, they admit the visit of the truth which, for them, is reduced to a handful of tiny demonstrations.
Logically, all of this is possible. Finding abandoned objects and carrying out telepathic experiments are pleasant occupations for many entities that surround the human intelligence, as certain domestic intimacies that the educated visitor would consider gross and ridiculous indiscretions give enormous pleasure to errand boys.
It will perhaps be objected that there are people on both levels who dedicate themselves to this type of investigation, with a scientific objective. Modern psychometry, for example, requires certain demonstrations, which help the less convinced; but, in this sector, almost always, the realization is carried out by the sensitive himself, who is temporarily absent from the dense body, revealing transcendental capacities of the incarnated soul.
Benefactor Spirits cannot use similar phenomenal expressions, on the pretext of performing the edifying and eternal service of truth.
—To be honest, I cannot interfere with the discovery of Madam’s ring, explained to me a companion who had been invited to work of that nature, because if I manage to find it, tomorrow I will be responsible for locating it. the purse forgotten in the seamstress’s room, next week she will charge me with looking for her maid who ran away with the baker, and next month she will go, with a restless mind, wherever I am in urgent and sacred occupations, so that I look for her husband, lost in drunkenness, in nights of longer pleasures. And if I do not find the purse, do not find the maid and do not return the husband to the home, as I did in the case of the ring, he will perhaps cover me with unreasonable accusations, he will not hesitate to offend the honor of the medium who charitably served us both and is likely to become, for this reason, a gratuitous detractor of the very doctrine that is so venerable to us, as a source of consolation and hope for the world.
We cannot cheapen our demonstrations, under penalty of disrespecting the functions of our own ministry.
Another friend of ours, a kind disembodied optional, assured me a long time ago:
—The majority of terrestrial sick people ask us for infallible diagnoses and exact explanations, claiming to be informed with absolute reality, claiming that we, the spirits exonerated from the flesh, must be rigorously truthful. How, however, can we demonstrate to them, authors of their own disasters, who destroyed the liver with inconsequential irritations, who poisoned the stomach in the excesses of the table, who ruined the blood in damnable adventures, who acquired dangerous infections, through precipitation or relaxation? If we show them the framework of responsibilities in which they are involved, in pathological processes, perhaps they will not be able to remain in the body for a few hours after our declarations. However, remembering our transit in the flesh, we are obliged, not to lie, but to be silent for their good, awaiting the time. Using serenity, we were able to save some assets and preserve some forces that still provide valuable services to our friends in the world.
As we observe, therefore, the truth, even for those who have already transferred to the invisible region of the Earth, is a sacred revelation of God, in the plan of our eternal interests, which no one should despise in the field of life.
“What is the truth?” Pilate asks Jesus smugly.
The Master, however, answered him with sublime silence. What expression of truth could be given to men, in that anguished hour of Jerusalem, in which lies dominated the Jews and Romans engaged in the process of the cross? How to fill an overflowing vase with honey with honey?
Supreme knowledge, as divine revelation, is not a transferable good. All of God’s children, on Earth or off Earth, are seeking to acquire it. No one, therefore, complains about disincarnated friends for demonstrations that solve this problem of integration with the divine light. The truth is not an edifice that can be built on the basis of information from others, along the path of life. It is an eternal realization that it is up to each creature to consolidate little by little, within itself, using its own conscience.
Spirit Brother X, from the book Lázaro Redivivo, psychographed by Chico Xavier, in 1945.
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