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Espiritualidade

A Condessa de Monte-Cristo

Sob esse título, o jornal Petite Presse publica um romance-folhetim, no qual se encontram as passagens seguintes, extraídas dos capítulos XXX e XXXI:

“— Meu paraíso, querida mãe — dizia à condessa de Monte-Cristo sua filha agonizante —, será ficar perto de ti, junto a vós! Sempre viva em vossos pensamentos, escutando-vos e vos respondendo, conversando baixinho com as vossas almas.

“Quando a flor embalsamar o jardim, e a levares ao teu lábio, estarei na flor e serei eu quem receberá o beijo! Também me farei o raio, o sopro que passa, o murmúrio que sussurra. O vento que agitar os teus cabelos será a minha carícia; o perfume que dos lilases floridos se elevar para a tua janela será o meu hálito; o canto longínquo que te fará chorar será a minha voz…

“Mãe, não blasfemes! Nada de cólera contra Deus! Oh! Essas cóleras e essas blasfêmias talvez nos separassem para sempre.

“Enquanto ficares aqui, eu me farei tua companheira de exílio; mais tarde, porém, quando, resignada às vontades de nosso Pai, que está nos céus, por tua vez tiveres fechado os olhos para não mais os abrir, então por minha vez estarei à tua cabeceira, esperando a tua libertação; e, inebriadas de uma alegria eterna, nossos dois corações, unidos para sempre, enlaçados para a eternidade, voarão num mesmo impulso para o céu clemente. Compreendes esta alegria, mãe? Jamais nos deixarmos, sempre nos amarmos, sempre! Formar, por assim dizer, ao mesmo tempo dois seres distintos e um só; ser tu e eu ao mesmo tempo? Amar e saber que se é amada e que a medida do amor que se inspira é a mesma do que se experimenta?

“Aqui não nos conhecemos; ignoro-te, como me ignoras; entre os nossos dois Espíritos nossos dois corpos representam um obstáculo; não nos vemos senão confusamente, através do véu da carne. Mas lá no alto, leremos claramente no coração uma da outra. E saber a que ponto a gente se ama é o verdadeiro paraíso, não vês?

“Ai! Todas essas promessas de felicidade mística e infinita, longe de acalmar as angústias de Helena, não faziam senão torná-las mais intensas, fazendo-lhe medir o valor do bem que ia perder.

“Entretanto, de quando em quando, ao sopro destas palavras inspiradas, a alma de Helena alçava voo quase às alturas serenas onde planava a da Pippione. Suas lágrimas se estancavam, a calma voltava em seu seio transtornado; parecia-lhe que seres invisíveis flutuavam no quarto, soprando a Blanche as palavras à medida que as pronunciava.

“A criança adormecera e, em seu sonho, parecia conversar com alguém que não via, escutar vozes que só ela ouvia, e lhes responder.

“De repente, um brusco sobressalto agitou seus membros frágeis, ela abriu largamente os grandes olhos e chamou sua mãe, que sonhava apoiada à janela.

“Aproximou-se do leito e Pippione tomou sua mão, com a sua já úmida pelos últimos suores.

“— Chegou o momento, disse ela. Esta noite é a última. Eles me chamam, eu os escuto! Queria muito ficar ainda, pobre mãe, mas não posso; a vontade deles é mais forte que a minha; eles estão lá no alto e me fazem sinal.

“— Loucura! gritou Helena; visão! sonho! Tu, morrer hoje, esta noite, entre os meus braços! Isto é possível?

“— Não, não morrer, disse a Pippione, nascer! Eu saio do sonho, em vez de nele entrar; o pesadelo acabou, eu desperto. Oh! Se tu soubesses como é belo, e que luz brilha aqui, junto à qual o vosso Sol não passa de uma mancha negra!

“Ela se deixou cair sobre as almofadas, ficou um instante silenciosa, depois continuou:

“São curtos os instantes que tenho para passar junto de vós. Quero que todos estejais aqui para me dizer o que chamais um eterno adeus, o que não é, na realidade, senão um breve até logo. Todos, entendeste bem? Primeiro tu, o bom doutor, Úrsula, Cipriana e José.

“Este nome foi pronunciado mais baixo que os outros; era o último suspiro, o último pesar humano da Pippione. A partir desse instante ela pertencia inteiramente ao céu…

“— Era minha filha!

“— Era!… repetiu com voz quase paternal o doutor Ozam, atraindo Helena ao peito. Era!… então não é mais… Que resta aqui? Um pouco de carne meio decomposta, nervos que não vibram mais, sangue que se engrossa, olhos sem olhar, uma garganta sem voz, ouvidos que não mais escutam, um pouco de lama!

“Vossa filha! Este cadáver no qual a Natureza fecunda já fez germinar a vida inferior, que disseminará os seus elementos? Vossa filha, esse lodo que amanhã reverdecerá em erva, florirá em rosas e devolverá ao solo todas as forças vivas que dele tirou? Não, não. Isto não é vossa filha! Isto não passa da vestimenta delicada e encantadora que ela tinha criado para atravessar a nossa vida de provações, um andrajo que ela abandonará com desdém, como um vestido velho que se joga fora!

“Se quiserdes ter uma lembrança viva de vossa filha, pobre mulher, é preciso olhar alhures… e mais alto.

“— Vós também credes nisto, doutor, perguntou ela, nesta outra vida? Diziam que éreis materialista.

“O doutor esboçou um doce sorriso irônico.

“Talvez eu o seja, mas não da maneira por que o entendeis.

“Não é numa outra vida que eu creio, mas na vida eterna, na vida que não começou e que, por conseguinte, não terá fim. — Cada ser, no começo igual aos outros, faz, a bem dizer, a educação de sua alma e aumenta as suas faculdades e o seu poder, na medida de seus méritos e de seus atos. Consequência imediata deste aumento: a alma mais perfeita agrega em torno de si um envoltório igualmente mais perfeito. Finalmente, chega um dia em que este envoltório não lhe basta mais, e então, como se diz, a alma rompe o corpo.

“Mas ela o rompe para encontrar outro mais em relação com as suas necessidades e qualidades novas? Onde? Quem sabe? Talvez num desses mundos superiores, que brilham sobre as nossas cabeças, num mundo onde encontrará um corpo mais perfeito, dotado de órgãos mais sensíveis, por isto mesmo melhor e mais feliz!

“Nós mesmos, seres perfeitos, dotados desde o primeiro dia de todos os sentidos que nos põem em relação com a natureza exterior, de quantos esforços não necessitamos! Que trabalhos latentes não são precisos para que a criança se torne homem, o ser ignorante e fraco, rei da Terra! E, incessantemente, até a morte, os corajosos e os bons perseveram nesta via árdua do trabalho; alargam a inteligência pelo estudo, o coração pelo devotamento. Eis o trabalho misterioso da crisálida humana, o trabalho pelo qual ela adquire o poder e o direito de romper o invólucro do corpo e de planar com asas.”

Sr. du Boys.

Observação – O autor, que até aqui tinha guardado o anonimato, é o Sr. du Boys, jovem escritor dramático. Por certas impressões quase textuais, vê-se que, evidentemente, ele se inspirou na Doutrina Espírita.

Allan Kardec,
Revista Espírita de maio de 1868.

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