Paulo em Roma

Paulo preso em Roma

Atento aos imperativos da sua missão, Júlio resolveu partir com os prisioneiros no navio “Castor e Pólux”, que ali invernara e se destinava à Itália. Chegados a Siracusa, na Sicília, amparado pelo generoso centurião, agora devotado amigo, Paulo de Tarso aproveitou os três dias de permanência na cidade, em pregações do Reino de Deus, atraindo numerosas criaturas ao Evangelho.
Em seguida, a embarcação penetrou o estreito, tocou em Régio, aproando daí a Pouzzoles (Putéoli), não longe do Vesúvio.
Júlio determinou que os prisioneiros comuns fossem instalados em prisões gradeadas e que Paulo, Timóteo, Aristarco e Lucas ficassem em sua companhia, numa pensão modesta. Desejoso de agradar o velho discípulo de Jesus, mandou sindicar se em Pouzzoles havia cristãos, e, em caso afirmativo, que fossem à sua presença, para conhecerem os trabalhadores da semeadura santa. O soldado incumbido da missão, daí a poucas horas, trazia consigo um generoso velhinho de nome Sexto Flácus, cuja fisionomia transbordava a mais viva alegria. Flácus informou que a cidade tinha ha muito tempo a sua igreja; que o Evangelho ganhava terreno nos corações; que as cartas do ex-rabino eram tema de meditação e estudo em todos os lares cristãos, que reconheciam em suas atividades a missão de um mensageiro do Messias Salvador.
E, dando largas ao seu entusiasmo natural, Sexto Flácus expediu recados aos companheiros. Aos poucos, a modesta estalagem enchia-se de caras novas.
A comunidade viveu horas de júbilo imenso. Sexto Flácus e os companheiros expediram dois emissários a Roma, para que os amigos da cidade imperial tivessem conhecimento da vinda do Apóstolo dos gentios.
Decorrida uma semana de trabalhos frutuosos, felizes, o centurião fez ver a necessidade de partir.
O pequeno grupo partiu acompanhado de mais de cinqüenta cristãos de Pouzzoles, que seguiram o ex-rabino até Fórum de Ápio. Em seguida, a caravana demandou o sítio denominado “As Três Tavernas”. O Apóstolo, agora, contemplava as regiões do Lácio empolgado por emoções suaves e doces. Tinha a impressão de haver aportado a um mundo diferente da sua Ásia cheia de combates acerbos. O grupo numeroso alcançou Alba Longa, onde novo contingente de cavaleiros esperava o valoroso missionário. Daí a Roma, a caravana moveu-se mais vagarosa.
Roma inteira banhava-se suavemente no crepúsculo de opalas. Considerando que Paulo precisava de repouso, o centurião resolveu passar a noite numa hospedaria.
Somente na manhã seguinte, compareceu perante as autoridades competentes, apresentando os acusados. Feliz expediente aquele, porque o ex-rabino sentia-se perfeitamente reconfortado. Na véspera, Lucas, Timóteo e Aristarco separaram-se dele, a fim de se instalarem na companhia dos irmãos de ideal, até poderem fixar a sua posição.
Paulo foi recolhido à prisão com os demais prisioneiros, como medida preliminar ao exame da documentação trazida.
Depois de uma semana, o Apóstolo recebia ordem para fixar residência nas proximidades da prisão, privilégio conferido pelos seus títulos, embora obrigado a permanecer sob as vistas de um guarda policial, até que o seu recurso fosse definitivamente julgado.
Havia decorrido quase dois anos que o seu recurso a César jazia esquecido nas mesas dos juizes displicentes, quando sobreveio um acontecimento de magna importância. Certo dia, um legionário amigo levou ao convertido de Damasco um homem de feições másculas e enérgicas, aparentando quarenta anos mais ou menos. Tratava-se de Acácio Domício, personalidade de grande influência política, e que de algum tempo tinha cegado em misteriosas circunstâncias.
Paulo de Tarso o acolheu com bondade e, depois de impor-lhe as mãos, esclarecendo-o sobre o que Jesus desejava de quantos lhe aproveitavam a munificência, exclamou:
– Irmão, agora, convido-te a ver, em nome do Senhor Jesus-Cristo!
– Vejo! Vejo! Gritou o romano tomado de júbilo infinito; e logo, num movimento instintivo, ajoelhou-se em pranto e murmurou:
– Vosso Deus é verdadeiro! Profundamente agradecido a Jesus, o Apóstolo deu-lhe o braço para que se levantasse, e, ali mesmo Domício procurou conhecer o conteúdo espiritual da nova doutrina, a fim de reformar-se e mudar de vida. Solícito, anotou logo as informações relativas ao processo do ex-rabino, acentuando ao despedir-se:
– Deus me ajudará para que possa retribuir o bem que me fizestes! Quanto à vossa situação, não duvideis do desfecho merecido, porque, na próxima semana, teremos resolvido o processo com a absolvição de César! De fato, decorridos quatro dias, o velho servidor do Evangelho foi chamado a depor.
De conformidade com as ordens legais, compareceu sozinho perante os juizes, respondendo com admirável presença de espírito às menores argüições que lhe foram desfechadas. Os magistrados patrícios verificaram a inconsistência do libelo, a infantilidade dos argumentos apresentados pelo Sinédrio, e, não só atendendo à situação política de Acácio, que empenhara no feito os bons ofícios de que podia dispor, como pela profunda simpatia que a figura do Apóstolo despertava, instruíram o processo com os mais nobres pareceres, restituindo-o, por intermédio de Domício, para o veredicto do Imperador.
Paulo de Tarso, entretanto, não viu nisso tão só um motivo para regozijo pessoal, mas a obrigação de intensificar a difusão do Evangelho de Jesus.
Durante um mês, no princípio do ano sessenta e três, visitou as comunidades cristãs de todos os bairros da capital do império. Sua presença era disputada por todos os círculos, que o recebiam entre carinhosas manifestações de respeito e de amor, pela sua autoridade moral. Organizados os planos de serviço para todas as igrejas domésticas que funcionavam na cidade, e depois de inúmeras prédicas gerais nas catacumbas silenciosas, o incansável trabalhador resolveu partir para a Espanha. Debalde intervieram os colaboradores, rogando-lhe que desistisse. Nada o demoveu. De há muito, alimentava o desejo de visitar o Extremo do Ocidente e, se fosse possível, desejaria morrer convicto de haver levado o Evangelho aos confins do mundo.
Às vésperas da partida em busca da gentilidade espanhola, eis que o Apóstolo recebe uma carta comovente de Simão Pedro. O ex-pescador de Cafarnaum escrevia-lhe de Corinto, avisando sua próxima chegada à cidade imperial. Também ele, Simão, deliberara exilar-se junto dos irmãos da metrópole imperial, esperando ser útil ao amigo, em quaisquer circunstâncias.
Com a chegada de Pedro, recrudesceram os serviços apostólicos; mas o pregador do gentilismo não abandonou a idéia de ira à Espanha. Alegando que Simão o substituiria com vantagem, deliberou embarcar no dia prefixado, num pequeno navio que se destinava à costa gaulesa. Acompanhado de Lucas, Timóteo e Demas, o velho advogado dos gentios partiu ao amanhecer de um dia lindo, cheio de projetos generosos.
A missão visitou parte das Gálias, dirigindo-se ao território espanhol, demorando-se mais na região de Tortosa. Em toda parte, a palavra e feitos do Apóstolo ganhavam novos corações para o Cristo, multiplicando os serviços do Evangelho e renovando as esperanças populares, à luz do Reino de Deus.
Em Roma, todavia, a situação prosseguia cada vez mais grave.
Simão Pedro, como figura de relevo do movimento, não tinha descanso. Não obstante a fadiga natural da senectude, procurava atender a todas as necessidades emergentes. Seu espírito valoroso sobrepunha-se a todas as vicissitudes e desempenhava os mínimos deveres com devotamento máximo à causa da Verdade. Assistia os doentes, pregava nas catacumbas, percorria longas distâncias, sempre animoso e satisfeito.
Os cristãos do mundo inteiro jamais poderão esquecer aquela falange de abnegados que os precedeu, nos primeiros testemunhos da fé, afrontando situações dolorosas e injustas, regando com sangue e lágrimas a sementeira do Cristo, abraçando-se, mutuamente confortados, nas horas mais negras da história do Evangelho, nos espetáculos hediondos do circo, nas preces de aflição que se elevavam dos cemitérios abandonados.
Tigelino, grande inimigo dos prosélitos do Nazareno, buscava agravar a situação por todos os meios ao alcance da sua autoridade odiosa e perversa.
O filho de Zebedeu preparava-se para regressar à Ásia, quando um grupo de esbirros dos perseguidores o colheu em pregação carinhosa e inspirada, na qual se despedia dos confrades de Roma, com exortações de tocante reconhecimento a Jesus. Apesar das atenciosas explicações, João foi preso e esbordoado impiedosamente. E, com ele, dezenas de irmãos foram trancafiados nos cárceres imundos do Esquilino.
Pedro recebeu a notícia, dolorosamente surpreendido. Conhecia a extensão dos trabalhos que aguardavam, na Ásia, o companheiro generoso, e rogou ao Senhor não o abandonasse, a fim de obter absolvição justa.
No meio dos debates, alguém se lembrou de Paulo. O Apóstolo dos gentios dispunha, na capital do Império, de grande número de afeiçoados eminentes.
Um irmão que se tornara devotado cooperador de Paulo, em Roma, foi mandado à Espanha, com urgência.
O ex-rabino lê a carta e resolve regressar à cidade imperial, imediatamente.
Simão Pedro recebeu-o enternecido. Em poucas horas, o convertido de Damasco conhecia a situação intolerável criada em Roma pela ação delituosa de Tigelino. João continuava encarcerado, apesar dos recursos levados aos tribunais.
O ex-rabino desdobrou-se em atividades intensas, procurou Acácio Domício, solicitando a sua intervenção e valimento.
Em três dias o filho de Zebedeu era restituído à liberdade. João estava abatidíssimo. Os maus tratos, a contemplação dos quadros terríveis do cárcere, a expectação angustiosa, haviam-lhe mergulhado o espírito em perplexidades dolorosas.
Paulo de Tarso e os cooperadores desdobravam-se em edificações espirituais, quando a cidade foi sacudida, de súbito, por espantoso acontecimento. Na manhã de 16 de julho de 64, irrompeu violento incêndio nas proximidades do Grande Circo, abrangendo toda a região do bairro localizado entre o Célio e o Palatino.
O imperador estava em Âncio (Antium), quando irrompeu a fogueira por ele mesmo idealizada, pois a verdade é que, desejoso de edificar uma cidade nova com os imensos recursos financeiros que chegavam das províncias tributarias, projetara o incêndio famoso, assim vencendo a oposição do povo, que não desejava a transferência dos santuários.
Além dessa medida de ordem urbanística, o filho de Agripina caracterizava-se, em tudo, pela sua originalidade satânica. Presumindo-se genial artista, não passava de monstruoso histrião, assinalando a sua passagem pela vida pública com crimes indeléveis e odiosos. Não seria interessante apresentar ao mundo uma Roma em chamas? Nenhum espetáculo, a seus olhos, seria inesquecível como esses. Depois das cinzas mortas, reedificaria os bairros destruídos. Seria generoso para com as vítimas da imensa catástrofe. Passaria para a historia do Império como administrador magnânimo e amigo dos súditos sofredores.
Alimentando tais propósitos, combinou o atentado com os áulicos de sua maior confiança e intimidade, se ausentado da cidade para não despertar suspeitas no espírito dos políticos mais honestos.
Entretanto, não pudera prever, ele próprio, a extensão da espantosa calamidade. O incêndio tomara proporções indesejáveis. Seus conselheiros menos dignos não puderam pressentir a amplitude do desastre. Arrancado, à pressa, dos seus prazeres criminosos, o imperador chegou a tempo de observar o último dia de fogo, verificando o caráter da medida odiosa.
O imperador, na sua mímica teatral, assumia atitudes comovedoras. Referia-se aos santuários perdidos, debulhando-se em pranto. Invocava a proteção dos deuses, a cada frase de maior efeito. Comprometia-se solenemente, com o povo, a punir inexoravelmente os responsáveis.
Nesse ínterim, quando o verbo imperial se tornara mais significativo, notou-se que a massa popular se agitava estranhamente. Maioria esmagadora irmanava-se, agora, num grito terrível:
– Cristãos às feras! Às feras! O filho de Agripina encontrara a solução que procurava. Nero conhecia o ódio que o vulgo votava aos seguidores humildes do Nazareno.
A nefanda acusação pesou sobre os discípulos de Jesus, como fardo hediondo.
As primeiras prisões realizavam-se como flagelo maldito. Tempestade sinistra caíra sobre os seguidores do Crucificado, que se submetiam a punições injustas, de olhos postos no céu.
O filho de Agripina e seus áulicos imediatos deliberaram que se oferecesse ao povo o primeiro espetáculo, no princípio de agosto de sessenta e quatro, como positiva demonstração das providências oficiais, contra os supostos autores do nefando atentado.
A linguagem mais forte será pobre para traduzir as dores imensas da grei cristã, naqueles dias angustiosos. Não obstante os tormentos inenarráveis, os seguidores fiéis de Jesus revelavam o poder da fé àquela sociedade perversa e decadente, afrontando as torturas que lhes cabiam.
Diante das torturas e da carnificina, o coração de Paulo de Tarso sangrava de dor. A tormenta operava confusão em todos os setores. Os cristãos do Oriente, em sua maioria, trabalhavam por desertar do campo da luta, forçados por circunstâncias imperiosas da vida particular. O velho Apóstolo, entretanto, unindo-se a Pedro, reprovava essa atitude. À exceção de Lucas, todos os cooperadores diretos, conhecidos desde a Ásia, haviam regressado. O ex-tecelão, todavia, fazendo causa comum com os desamparados, fez questão de assisti-los no transe inaudito.
Amparando-se em Lucas, Paulo de Tarso enfrentava o frio da noite, as sombras espessas, os caminhos ásperos.
Dois meses haviam decorrido, após a festa hedionda, e o movimento das prisões aumentava dia a dia.
Certa noite, Paulo dirigia aos irmãos a palavra afetuosa, no comentário do Evangelho de Jesus. Seus conceitos pareciam, mais que nunca, divinamente inspirados. As brisas da madrugada penetravam a caverna mortuária, que se iluminava de algumas tochas bruxuleantes.
O auditório parecia extático, ouvindo as palavras proféticas do Apóstolo. Entre as lajes frias e impassíveis, os irmãos na fé sentiam-se mais unidos entre si. Em todos os olhares cintilava a certeza da vitória espiritual. Naquelas expressões de dor e de esperança havia o tácito compromisso de seguir o Crucificado até ao seu Reino de Luz.
O orador fizera uma pausa, sentindo-se dominado por estranhas comoções.
Nesse instante inesquecível, um magote de guardas rompeu afoito no recinto. Todos foram presos.
Atirados, previamente, num pátio escuro, até serem alojados individualmente nas divisões gradeadas e infectas, os discípulos do Senhor aproveitaram esse rápidos momentos para conforto mútuo, para trocarem idéias e conselhos edificantes.
Paulo de Tarso, todavia, não descansou. Solicitou audiência ao administrador da prisão, prerrogativa conferida ao seu título de cidadania romana, sendo prestes atendido. Expôs sua doutrina sem rebuços, e, impressionando a autoridade com seu verbo fluente e sedutor, encareceu as providências atinentes ao seu caso, pedindo a presença de vários amigos como Acácio Domício e outros, para deporem ao concernente à sua conduta e antecedentes honestos.
Domício explicou ao benfeitor que a situação era muito grave; que o Prefeito dos Pretorianos estava investido de plenos poderes para dirigir a campanha como melhor entendesse. Que toda prudência era indispensável e que, como último recurso, só restava um apelo à magnanimidade do imperador, perante o qual o Apóstolo devia comparecer para defender-se, pessoalmente, caso fosse deferida a petição apresentada a César naquele mesmo dia.
No dia aprazado, foi conduzido entre guardas, à presença de Nero, que o recebeu curioso, num vasto salão, onde costumava reunir os favoritos ociosos da sua Corte criminosa e excêntrica. Interessava-lhe a personalidade do ex-rabino. Queira conhecer o homem que mobilizara grande número de seus íntimos para apoiar-lhe o recurso. A presença do Apóstolo dos gentios causou-lhe enorme decepção. Que valor poderia ter aquele velho insignificante e franzino? Ao lado de Tigelino e de outros conselheiros perversos, fixou ironicamente a figura de Paulo. Era incrível tamanho interesse em torno de uma criatura tão vulgar. Quando se dispunha a recambiá-lo à prisão, sem lhe ouvir o apelo, um dos áulicos lembrou que seria conveniente facultar-lhe a palavra, para que se lhe aferisse a indigência mental. Nero, que jamais perdia ocasião de ostentar suas presunções artísticas, considerou o alvitre bem apresentado e ordenou ao prisioneiro que falasse a vontade.
Ladeado por dois guardas, o inspirado pregador do Evangelho levantou a fronte, cheio de nobreza, fitou César e os companheiros do seu séqüito leviano e começou resoluto:
– Imperador dos romanos, compreendo a grandeza desta hora em que vos falo, apelando para os vossos sentimentos de generosidade e justiça. Não me dirijo, aqui, a um homem falível, a uma personalidade humana, simplesmente, mas ao administrador que deve ser consciencioso e justo, ao maior dos princípios do mundo e, que, antes de tomar o cetro e a coroa de um império imenso, deve considerar-se o pai magnânimo de milhões de criaturas!… As palavras do velho Apóstolo ecoavam, no recinto, com o caráter de uma profunda revelação. O Imperador fixava-o, admirado e enternecido. Seu temperamento caprichoso era sensível às referências pessoais, onde predominassem as imagens brilhantes. Percebendo que se impunha ao reduzido auditório, o convertido de Damasco prosseguiu mais corajoso:
– Confiando em vossa longanimidade, pleiteei esta hora inesquecível, a fim de apelar para o vosso coração, não somente por mim, mas por milhares de homens, mulheres e crianças, que padecem nos cárceres ou sucumbem nos circos do martírio. Falo, aqui, em nome dessa multidão incontável de sofredores, perseguida com requintes de crueldade por favoritos de vossa Corte, que deveria ser constituída de homens íntegros e humanitários. Acaso não chegarão aos vossos ouvidos os lamentos angustiosos da viuvez, da velhice e da orfandade? Oh! Augusto imperador do trono de Cláudio, sabei que uma onda de perversidade e de crimes odiosos varre os bairros da cidade imperial, arrancando soluços dolorosos aos vossos tutelados miserandos? Ao lado da vossa atividade governamental, por certo, rastejam víboras venenosas que é necessário extirpar, a bem da tranqüilidade e do trabalho honesto do vosso povo. Esses cooperadores perversos desviam vossos esforços do caminho reto, espalham terror entre as classes desfavorecidas da sorte, ameaçam os mais infelizes! São eles os acusadores dos prosélitos de uma doutrina de amor e redenção. Não acrediteis no embuste dos seus conselhos que ressumam crueldade. Ninguém trabalhou, talvez, quanto os cristãos, no socorro às vítimas do incêndio voraginoso. Enquanto os patrícios ilustres fugiam de Roma desolada, enquanto os mais tímidos se recolhiam aos lugares mais abrigados de perigo, os discípulos de Jesus percorriam os quarteirões em chamas, aliviando as vítimas infortunadas. Alguns imolaram a vida ao altruísmo dignificador. E por fim, vede, os trabalhadores sinceros do Cristo foram recompensados com a pecha de autores do crime hediondo, por caluniadores sem entranhas. Acaso não vos doeu a consciência ao endossardes tão infames alegações, à revelia de uma sindicância imparcial e rigorosa? No esfervilhar das calúnias, não vi surgir uma voz que vos esclarecesse. Admito que participais, certamente, de tão trágicas ilusões, porque não creio no desvirtuamento da vossa autoridade reservada às melhores resoluções em favor do Império.
É por isso, ó imperador dos romanos, que, reconhecendo o grandioso poder enfeixado em vossas mãos, ouso levantar minha voz para esclarecer-vos. Atentai para a extensão gloriosa de vossos deveres. Não vos entregueis à sanha de políticos inconscientes e cruéis. Lembrai-vos de que, numa vida mais elevada que esta, ser-vos-ão pedidas contas de vossa conduta nos atos públicos. Não alimenteis a pretensão de que vosso cetro seja eterno. Sois mandatário de um Senhor poderoso, que reside nos céus. Para vos convencerdes da singularidade de semelhante situação, volvei um olhar, apenas, ao passado brumoso. Onde os vossos antecessores? Em vossos palácios faustosos perambularam guerreiros triunfantes, reis improvisados, herdeiros vaidosos de suas tradições. Onde estão eles? A história nos conta que chegaram ao trono com os aplausos delirantes das multidões.
Vinham soberbos, ostentando magnificências nos carros do triunfo, decretando a morte dos inimigos, adornando-se com os despojos sangrentos das vítimas. Entretanto, bastou um sopro para que resvalassem do esplendor do tono para a escuridão do sepulcro. Uns partiram pelas conseqüências fatais dos próprios excessos destruidores; outros assassinados pelos filhos da revolta e do desespero. Recordando semelhante situação, não desejo transformar o culto da vida em culto da morte, mas demonstrar que a fortuna suprema do homem é a paz da consciência pelo dever cumprido. Por todas essas razões, apelo para a vossa magnanimidade, não só por mim como por todos os correligionários que gemem na sombra dos cárceres, esperando o gládio da morte.

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