O precursor do cristianismo

Era chegado o tempo de o mundo receber o complemento da Revelação do Sinai e o Cristo de Deus se aprestava para descer das Regiões Luminosas aos antros do mundo físico.
Uma falange inumerável de Espíritos preparou-se para auxiliar o Mestre na sua tarefa missionária. Uns teriam de preceder à sua vinda; outros acompanhá-lo na sua missão; outros, afinal, viriam secundar-lhe os esforços, em Espírito, na nossa atmosfera terrestre auxiliando, da melhor maneira, que por Deus lhes fosse permitido.
As Escrituras dizem que, pela boca do Profeta Malaquias, havia sido dado o anúncio da nova encarnação de Elias, que fora, de fato, também o maior dos profetas da antiga dispensação.
Vinha ele, como o Anjo Mensageiro, diante da Face do Senhor, para anunciá-lo aos povos, pois tão ilustre pessoa necessitava, à sua chegada, que algumas luzes estivessem acesas, para iluminarem a incomparável figura que vinha representar, no mundo, o Verbo Divino.
Chegado o tempo da recepção do Espírito que fora Elias, e que deveria ser João Batista, um Espírito mensageiro do Alto, e conhecido na Terra pelo nome de Gabriel, dirige-se a uma família da Judeia, cujos chefes idosos e sem filhos, tinham por nome Zacarias e Isabel, e lhes anuncia a encarnação desse filho, que era o Profeta Elias, a quem dariam todos os cuidados paternais.
A mensagem do Espírito não foi aceita por Zacarias, necessitando o Espírito revelador tornar, ao que deveria ser o pai da criança, mudo durante todo o tempo da gravidez de sua esposa, como prova do aviso que lhe fora dado.
E assim aconteceu, tendo sido dado pelo Espírito até o próprio nome do infante, que deveria chamar-se João, que quer dizer o Enviado.
Como se nota nos Evangelhos, o nascimento de João Batista veio precedido de augúrios e de promessas espirituais para aqueles que buscavam o Reino de Deus.
Durante o tempo de gravidez da esposa de Zacarias, colóquios espirituais, arroubos d’alma, êxtases se verificaram no lar daqueles que veriam muito breve o aparecimento do grande missionário, que seria a Voz clamando no deserto das consciências.
Por ocasião da visita de Maria, mãe de Jesus, à sua prima Isabel, o Espírito saudou Maria, como se depreende da narrativa, e esta, também envolta nos fluidos dos divinos Mensageiros, pronunciou a inspirada prece que hoje corre mundo com o título Magnificat: A minha alma engrandece o Senhor, o meu Espírito se alegrou em Deus meu Salvador…
Afinal, chegado o tempo determinado, Isabel teve um filho e só então se soltou a língua de Zacarias, cujas primeiras palavras foram para lembrar o nome de João, que o Espírito havia posto naquele que seria seu filho carnal.
Estas manifestações foram divulgadas por toda a região montanhosa da Judeia, e as populações se quedavam apreensivas, porque diziam: a mão do Senhor está com este menino.
Zacarias tomado pelo Espírito, falou acerca do futuro de seu filho, e da missão que ele vinha desempenhar no mundo.
O escopo do Evangelho é anunciar a todos o caminho da Salvação, e indicar os meios para se encontrar o mesmo.
Esse livro não foi escrito para narrar genealogias, nem publicar biografias, que pouco aproveitariam ao progresso da Humanidade e ao realce da Religião.
É esse, sem dúvida, o motivo pelo qual o Evangelista cala sobre a vida do Batista, até o dia da sua manifestação a Israel, ou seja, o dia em que o Precursor saiu abertamente ao mundo para o exercício da sua nobre tarefa; o texto do Evangelista limita-se a estas palavras: O menino crescia e se fortalecia em espírito e habitava nos desertos, até o dia da sua manifestação a Israel.
Que teria feito ele no decorrer desse tempo? O Evangelista não o diz, mas é muito fácil se prever.
Fazia provavelmente o que faz toda a gente pobre, todos os que não são acariciados pela fortuna do mundo: trabalhava, lutava, esforçava-se para a manutenção da existência material.
Passai em revista a vida de todos os grandes homens que nos legaram centelhas de verdades imperecíveis, de todos os próceres do pensamento, de todos os gênios que vieram nos trazer o progresso material, moral e espiritual, e vereis que desde a infância até a velhice, eles se têm manifestado ao mundo como máquinas que trabalham incessantemente, vivendo mais para os outros que para si próprios.
Assim deveria acontecer a João Batista, operário do trabalho espiritual, já exercitado nas lides da vida corpórea.
Aquele que vinha anunciar a vinda do Messias e aparelhar o seu caminho, não podia deixar de cumprir os preceitos que nos mandam trabalhar para viver.
João Batista não podia ter passado uma vida de ócio, embrenhado desde a infância nos desertos, para fugir aos deveres materiais impostos a todas as criaturas.
E quando o Evangelho diz que o Batista habitava os desertos, dá a entender o menosprezo que seus contemporâneos faziam daquelas individualidades, que, por não se trajarem de finas roupas e não habitarem palácios, deixavam de merecer a atenção dos seus concidadãos e com especialidade a dos grandes da sua época.
É possível que, antes de iniciar a sua missão, como era costume dos antigos profetas, João se retirasse para o deserto a fim de preparar-se, pelo jejum e oração, para o desempenho dos seus deveres sagrados.
E foi esta certamente a explicação que Jesus quis dar e deu veladamente aos que procuravam a João, aos que, nas cercanias da cidade de Naim, desejavam ver a João: O que saíste a ver no deserto? Uma cana agitada pelo vento? Ou um homem vestido de roupas finas? Mas os que se vestem ricamente e vivem no luxo, assistem nos palácios dos reis.
Nessa mesma ocasião o Divino Mestre, dando a conhecer a todos o grande Espírito que o precedera, como revelador da sua vinda, disse: João é um profeta, muito mais que profeta, porque é da sua pessoa que está escrito: eis, aí envio ante a tua face o meu anjo, que há de preparar o teu caminho.
Mas, afinal, chegamos à fase luminosa da vida do Mensageiro do Alto, em que a sua luz brilha como um relâmpago, e a sua voz ecoa como um trovão.
Foi no décimo quinto ano do reinado de Tibério César, sendo Pilatos governador da Judeia, Herodes tetrarca da Galileia e sumos sacerdotes, Anás e Caifás, que circulou pela Palestina o boato do aparecimento de um profeta que agitava as massas populares em torno de sua respeitável figura; e nas margens do Jordão, por onde passava, as multidões afluíam para ouvirem-no. Uns, dele se acercavam seguindo seus passos redentores; outros, ávidos de manifestações físicas e sinais exteriores, pediam-lhe, o batismo da água, julgando, sem dúvida, que a perfeição e a pureza podem viver no corpo quando o espírito está sujo!
A uns e outros João atendia dando a cada um o de que cada um precisava para expiação das faltas e redenção de Espírito.
Gênio franco, leal, sincero, intemerato, austero, o Batista, cuja missão principal era preparar almas para o Senhor, aparelhar veredas por onde Jesus pudesse passar; aterrar vales, arrasar montes e outeiros, aplainar estradas escabrosas, destruir as tortuosidades para que as estradas se tornassem direitas; ele trazia um arsenal de instrumentos para cortar árvores seculares, abater matas que ensombravam as consciências, arrancar raízes de nefastas plantas que prejudicavam a seara, para que a semente do Evangelho, que ia ser semeada, produzisse o fruto necessário!
E, assim, é que profligou o orgulho de classe e de família; combateu com grande tenacidade os vícios; atacou com admirável energia as paixões; despertou nas almas o desejo do arrependimento por meio das boas obras que deveriam praticar; profligou, enfim, a vaidade humana, fazendo ver que Deus poderia suscitar até das próprias pedras filhos a Abraão; e afirmou que a salvação para o Reino de Cristo não consistia senão no desinteresse, no desapego aos bens terrenos, na severidade de costumes, na limpidez do caráter, no cumprimento do dever!
Aos que lhe perguntavam: o que havemos de fazer para estarmos com o Cristo, respondia: aquele que tem duas túnicas dê uma a quem não tem; o que tem comida faça o mesmo.
A uns publicanos que dele se aproximaram solicitando-lhe o batismo, respondeu: não cobreis mais do que aquilo que está prescrito.
A uns soldados que foram ter a ele, disse: a ninguém façais violência, nem deis denúncia falsa; contentai-vos com o vosso soldo.
Não pararam aí as instruções que o Mensageiro de Deus nos legou para que nos aproximemos do Cristo.
Salientando muito bem a sua tarefa, deixando bem claro o papel que ele representava em face da espiritualização das almas, nunca quis assumir a missão que só a Jesus estava afeta. É assim que dizia franca e peremptoriamente de nada valer o seu batismo de água, pois o que viria depois dele teria de batizar com o Espírito Santo e Fogo.
Só a Jesus devia ser dada a glória por todos os séculos!
Mas essas palavras não agradaram as almas afeitas às coisas materiais: os espíritos contumazes se revoltaram contra a nova doutrina; o sacerdócio tecia, em segredo, maquinações maléficas contra o Enviado; o tetrarca da Galileia, ferido em seu amor-próprio pela revelação, por parte do profeta, de desonestidades que praticara; Herodias, sua cunhada, cercada de uma corte enorme de aduladores, deliberaram, como meio mais eficaz, prender o Profeta da Revelação Cristã, dando-lhe, por fim, a morte afrontosa da decapitação!
E assim foi: cingindo a coroa do martírio, tecida pelos grandes da sua época, desapareceu do cenário do mundo, alçando-se aos altos empíreos das glórias imortais, aquele grande Espírito, sábio, generoso e santo, que dedicou sua existência terrestre a serviço de muitos homens que, após a sua vinda, têm bebido, nos seus ensinamentos, o elixir restaurador que nos dá vida, para caminharmos em busca do Cristo Jesus.
Tal é, num ligeiro esboço biográfico, a história do grande missionário que chamamos o Precursor do Cristianismo, ou o Batista da Revelação Cristã.

Cairbar Schutel, do livro Parábolas e Ensinos de Jesus, 1ª Edição – 1928.

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