A Ressurreição de Lázaro

Esta narrativa, de uma simplicidade verdadeiramente singular, retrata uma das belíssimas cenas do Cristianismo, seja em seu aspecto religioso e moral, seja em sua modalidade científica ou filosófica.
Por ela se descobre logo a morte sob os seus dois aspectos: físico e psíquico.
Aquelas afirmações características de Jesus, ora dizendo: Lázaro dorme (não morreu), mas eu vou despertá-lo, ao lado desta outra: Lázaro morreu, despertam imediatamente a ideia de duas mortes: a morte corporal e a morte espiritual.
Com efeito, lendo-se, com toda a atenção o trecho evangélico, e pondo lado a lado o modo de ver de Jesus e o modo de ver do evangelista, compreendemos imediatamente que o Caso de Lázaro não passa de um caso psíquico, fenômeno cataléptico, que tanto pode durar duas horas, como quatro ou cinco dias. Destes casos a Medicina não conhece perfeitamente as causas. A catalepsia apresenta todas as aparências da morte: rigidez, insensibilidade, perda de inteligência, aspecto cadavérico, etc.
Essa moléstia era muito comum na Judeia, onde os enterramentos eram imediatos.
Vemos, por exemplo, no capítulo V, versículo 5 e seguintes de Atos dos Apóstolos, que tendo Ananias e sua mulher Safira retido parte da importância de uma propriedade que venderam e deveria ser entregue aos Apóstolos, só pelo fato de Pedro repreendê-los severamente, caíram ambos mortos e em menos de três horas foram enterrados.
Nestes dois exemplos vemos não se tratar de morte real, mas de simples casos de síncope ou letargia.
Assim foi, certamente, o que aconteceu a Lázaro.
Vitimado por uma letargia, imediatamente fizeram-no enterrar, permanecendo no túmulo durante a crise cataléptica.
Jesus, conhecendo a natureza de seu amigo Lázaro e as crises a que ele estava sujeito; dotado ainda, o Mestre, como era, dessa vista dupla, ou clarividência, que transpõe distâncias e não conhece barreiras, verificou que Lázaro não fora atacado de uma enfermidade física, mas que a sua moléstia era toda de ordem psíquica, como se observa nos casos de sonambulismo, catalepsia; letargia. Foi isto que o fez demorar quatro dias para chegar a Betânia. Ele tinha certeza de que não houvera ruptura dos laços fluídicos que ligam o Espírito ao corpo.
E tanto é assim, que o despertou com voz alta e imperiosa: Lázaro, sai para fora, operando a ressurreição do seu amigo. Como verão depois os leitores, empregam o termo ressurreição na sua significação restrita.
Esclarecida, pois, a natureza da morte de Lázaro: morte psíquica, procuremos conhecer o fator indispensável dessa morte e suas causas.
A morte psíquica (não encontramos outra expressão mais adequada), é ocasionada sempre por uma modificação molecular que tira temporariamente as transmissões de relação que existe entre o corpo e o Espírito. Uma grande supraexcitação, ou preocupação do Espírito, interrompe essas relações, mais ou menos como ocorre no momento do sono. Neste caso o Espírito não pensa mais no corpo e produz-se a insensibilidade. Vemos também certos casos nos quais, mesmo em vigília, ignoramos o que se passa em nosso corpo. No ardor do combate o militar não sabe se está ferido.
A morte psíquica é, pois, uma exteriorização do Espírito, exteriorização essa de graus variados, que vai desde a simples sugestão ao desdobramento da personalidade. Nesses casos, o indivíduo é sempre um indivíduo psíquico, cuja faculdade deve ser bem empregada e desenvolvida para não haver prejuízo coletivo.
Lázaro, membro principal daquela família de Betânia, e que tinha certa afinidade com Jesus, não podia deixar de ser um indivíduo-psíquico, mas que não cultivava suas faculdades e vivia alheio às coisas espirituais. O Evangelho não nos fala nesse homem senão quando narra a sua ressurreição, o que quer dizer que ele era como quem não existisse, era um morto que ali vivia tratando de outros lazeres, estranhos aos que enobrecem a alma e exaltam o coração. A sua materialidade se mostrou tão acentuada que chegou a morrer, embora não houvesse separação entre alma e corpo. E assim permaneceu quatro dias, e mais permaneceria se Jesus não viesse ressuscitá-lo, pois a sua morte aparente tomou feições tão nítidas de morte real, que chegaram a levá-lo para o túmulo, o que fez sua irmã Marta pensar que já cheirava mal.
A morte psíquica pode-se, pois, traduzir como desaparecimento do Espírito, assim como a morte física é o desaparecimento do corpo.
Com a ressurreição operou-se o milagre do aparecimento, do ressurgimento do Espírito no corpo e, consequentemente a ressurreição (reaparição do corpo), depois de removida a pedra e dada ordem imperiosa por Jesus para que Lázaro saísse do túmulo.
Encarando a questão pelo lado científico, observamos uma bela cura de catalepsia operada com o auxílio do magnetismo, de que Jesus era o maior de todos os representantes. Aliás, em todas as suas curas não adotava outro processo. Quem passar uma vista de olhos sobre as curas operadas pelo Grande Mestre, verá que nenhum outro processo foi por ele empregado, senão a imposição de mãos e a Palavra; ao paralítico ele disse: Toma o teu leito e caminha; ao cego disse: Vê; ao surdo: Ouve, e assim por diante.
Está a Ciência de hoje muito mais adiantada que a de 2.000 anos atrás, principalmente a Medicina? Estamos a apostar que mesmo com o auxílio dos soros e das transfusões, os grandes esculápios do nosso país e do estrangeiro não são capazes de ressuscitar os Lázaros que caminham todos os dias para os túmulos!
A propósito deste esclarecimento sobre a ressurreição de Lázaro, parece oportuno passar para estas páginas o modo de ver dos Espíritos, exarado em A Gênese Segundo o Espiritismo sobre as Ressurreições.
Tratando das ressurreições da filha de Jairo e do filho da Viúva de Naim, narrados nos Evangelhos eles dizem: O fato da volta à vida corporal, de um indivíduo, realmente morto, seria contrário às leis de Natureza. Ora, não é necessário recorrer a essa derrogação para explicar as ressurreições operadas pelo Cristo.
Em certos estados patológicos, quando o Espírito não está mais no corpo, e o perispírito apenas a ele adere por alguns pontos, o corpo tem todas as aparências da morte e afirma-se uma verdade, dizendo que a vida está por um fio. Este estado pode durar mais ou menos tempo; certas partes do corpo podem mesmo entrar em decomposição sem que a vida esteja definitivamente extinta. Enquanto se não romper o último fio, o Espírito pode, quer por uma ação enérgica da sua própria vontade, quer por um influxo fluídico estranho, igualmente poderoso, ser de novo chamado ao corpo. Assim se explicam certos prolongamentos da vida contra toda a probabilidade, e certas supostas ressurreições. É a planta que brota de novo muitas vezes por uma só das suas radículas mas, desde que as últimas moléculas do corpo carnal, ou este último, fique em estado de corrupção irreparável, a volta à vida é impossível.
Fica assim bem entendida a ressurreição de Lázaro sob o ponto de vista científico.
Vitimado ou não por uma catalepsia, ou por outra moléstia qualquer, o fato é que a morte era aparente e não real; não se havia rompido o último fio, o perispírito ainda se achava ligado ao corpo por alguns pontos. Jesus, com seu grande poder, supriu as deficiências do paciente e fê-lo voltar à vida corpórea, reconstituindo-lhe o organismo afetado.
Encaremos agora o caso pelo lado religioso.
Sendo o objeto principal de Jesus dignificar a sua Doutrina, com fatos emocionantes que influíssem no cérebro e no coração de seus discípulos, não quis excluir da sua tarefa na Terra, as curas, por saber que são elas que mais influem na conversão de infiéis. E durante toda a sua peregrinação no mundo, onde quer que encontrasse um enfermo por curar, um paralítico deitado, um hidrópico em ofegante dispneia, um cego, um surdo, um mudo, um leproso, com um aceno de suas divinas mãos, com uma palavra ungida de misericórdia, com um olhar envolto de amor e de bondade, destruía aqueles males, restaurando a saúde ao paciente.
As curas de Jesus tomam um grande capítulo dos Evangelhos. Poder-se-ia com elas escrever um livro, cujos ditames concorreriam, sem dúvida, para fazer sarar muitos enfermos que, sem fé e sem consciência dos salutares efeitos das forças superiores da Natureza, quando bem aplicadas, fariam desaparecer muitos males que afligem infelizes enfermos, que debalde imploram a saúde que a Ciência Acadêmica não dá, porque está absolutamente separada do Espírito do Cristianismo.
Não se diga, porém que essas curas se fizeram exclusivamente sob a direção de Jesus, ou que foi Jesus o único que a fez, em virtude da sua divindade miraculosa.
Em todos os tempos e em todos os países as curas espíritas têm sido objeto de meditação e admiração. E o próprio Jesus, quando organizou o seu Colégio Apostólico e enviou os Apóstolos, dois a dois, a pregarem o Evangelho, uma das principais coisas que lhes recomendou foi: Curai os enfermos, ressuscitai os mortos, limpai os leprosos, expeli os demônios; de graça recebestes, de graça dai. (Mateus, X: 1-9.)
Não vem ao caso mais citações, que não cabem nesta breve dissertação.
Conclui-se que, seja sob o ponto de vista científico, seja sob o ponto de vista religioso, a Ressurreição de Lázaro é uma das grandes lições que o Moço Nazareno nos legou; é indispensável, portanto, que a estudemos atenciosamente.
Mais duas palavras e terminaremos.
Ressurreição é termo que pode ser empregado sob o ponto de vista material e espiritual.
Quando dizemos que tal indivíduo ressuscitou, afirmamos que ele reapareceu, porque ressuscitar quer dizer reaparecer.
Esse reaparecimento se pode dar em corpo carnal ou em Espírito. Por exemplo: Lázaro ressuscitou, reapareceu com seu corpo carnal, que todos já julgavam morto.
Mas os mortos também ressuscitam em corpo espiritual. Foi assim que Moisés e Elias ressuscitaram no Tabor, assim Samuel ressuscitou no Endor, assim Jesus Cristo ressuscitou em Jerusalém e circunvizinhanças. Destes morreram os corpos carnais, mas eles ressuscitaram em seus corpos espirituais.
A Imortalidade não é apanágio do corpo material, mas sim do corpo fluídico, celeste, espiritual.
A Ressurreição de Lázaro foi uma manifestação física do poder de Jesus; a Ressurreição de Jesus foi uma graça psíquica da Sabedoria Divina.

Cairbar Schutel, do livro Parábolas e Ensinos de Jesus, 1ª Edição – 1928.

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